“Algum tempo antes de sua morte, perguntaram a Middleton Beaman, conselheiro legislativo da Câmara dos Deputados durante muitos anos, e por todos considerado o decano dos redatores de lei nos Estados Unidos, porque não escrevera um livro sobre a técnica legislativa de redigir diplomas legais. Beaman retrucou que não saberia o que por em tal livro; e posto o desmentisse a atuação que tivera em uma comissão parlamentar sobre o assunto (Comissão de Organização do Congresso, 79ª Reunião, 1ª Sessão, 413-430 – 1945) e na American Association Law Libraries, a verdade é que os grandes redatores de leis norte-americanos sempre relutaram em tornar públicos seus instrumentos de trabalho e os segredos de seu ofício.”
“Um bom redator de leis é um eunuco intelectual.”
Middleton Beaman
A lei necessita da coordenação segura dos setores do conhecimento na elaboração de um sistema coerente de comunicação. É um processo dinâmico e particular, porém o redator deve conhecer os princípios da elaboração das leis, a mecânica do processo legislativo, os princípios constitucionais e as regras gramaticais.
Seguem respostas simples para os problemas triviais:
- Em uma época que tanto se legisla, devemos formar legisladores. Não basta ser estudioso das leis para redigi-las. Grandes juristas não significam grandes legisladores;
- Todas as advertências e conselhos são úteis e oportunos, pouco importando o quanto pareçam supérfluos ou subentendidos;
- A lei deve se dirigir à inteligência e à vontade, e não à imaginação ou ao sentimento;
- Uma boa lei deve ter unidade, ordem, precisão e clareza;
- Deve-se ter paciência e cuidado para adaptar o texto à objetividade da vida diária; (da abstração para o mundo concreto).
- Um modelo de lei tem o caráter de “simples”, suas palavras devem despertar as mesmas ideias entre todas as pessoas;
- A expressão “revogam-se as disposições em contrário” deve ser banida. Quem melhor do que o próprio legislador para indicar quais são as disposições em contrário? Não foi ele que fez a lei revogada? Não foi ele que elaborou a nova? Se esta substitui aquela, por que o legislador se recusaria em dizê-las expressamente? O legislador covarde acoberta-se na “fórmula” vaga e imprecisa, ficando deferida a cada intérprete a tarefa de procurar e evidenciar a contradição. Diga expressamente o que vigora e o que não vigora;
- Disposições transitórias: dispõe sobre o período intermediário entre o que se está fazendo e o que se vai fazer. O objetivo é declarar sob que regime se regularão as situações existentes. Não fique na região das generalidades, temendo deixar de fora algum problema. Isso alarga o círculo de sua previsão, mas abarca muito e aperta pouco. Como resultado, a jurisprudência peca por demasia ou por curtez de visão;
- Dizer menos do que deveria, melhor seria nada ter dito.
- É necessário conhecer a legislação e a jurisprudência para verificar até que ponto a inovação pretendida vai contrariar as normas vigentes;
- Cada cláusula da lei deve ser feita com a mais nítida percepção de seu efeito sobre todas as outras cláusulas sem esquecer que a lei precisa fundir-se e enquadrar-se, sem atritos, no conjunto das leis preexistentes;
- O conhecimento da vida política e social indica ao legislador as lacunas que devem existir, bem como os esclarecimentos que deve assinalar;
- Cuidado para não trocar concisão por prolixidade; precisão por vago; clareza por obscuridade; simplicidade por pernosticismo. Cuidado com a quebra da unidade de estilo, as palavras de duplo sentido, as mesmas ideias expressas em termos diversos, as mesmas palavras em acepções diferentes, as disposições complexas, ausência de lógica na distribuição da matéria, vícios de linguagem, etc.
- Não se meta a fazer estilo na lei, pois gera distorções. O estilo da lei é único: SIMPLES. A expressão direta se entende sempre melhor que a expressão refletiva.
- Ao legislar exige-se lucidez, simplicidade e precisão, porém sem transformar o texto num deserto de aridez e secura. São também necessárias a força, a harmonia e nobreza.
- Todo o esforço dos legisladores deve se concentrar no aprimoramento da técnica. É uma tarefa sobre-humana. A legislação é uma técnica de controle da vida nacional em suas manifestações.
- Um bom governo necessita de leis que digam o certo de modo certo, na linguagem mais clara, mais simples e mais acessível. O redator deve ser capaz de escrever com desembaraço e presteza. Um bom redator é indispensável.
- A arte de redigir é bem mais sutil e enfrenta problemas bem mais difíceis do que parece à primeira vista.
- Redigir leis, como ensinar, parece fácil. Mas, como o ensino, não comporta regras inflexíveis separando o certo do errado. O veredicto é, via-de-regra, o consenso dos outros.
- Redigir leis não é para amadores ou curiosos. É uma atividade eminentemente técnica, sendo a forma mais rigorosa, depois da matemática;
- O domínio mais completo da técnica não compensa a falta de conhecimento dos fatos e da lei;
- Não é a complexidade do problema concreto que justifica a inclusão de ambiguidades e complicações desnecessárias no texto. Há meios de separar o evitável e o inevitável.
- É necessária uma percepção lúcida do objeto, maior sistematização, mais uniformidade de conceituação, perspectiva e terminologia, que não pode ser estática. As novas leis devem refletir as necessidades do seu tempo. É importante lembrar que as discrepâncias da legislação atual não são apenas consequência da evolução dos costumes, mas também de acidentes, erros, ignorância e inépcia;
- Entre várias expressões possíveis, escolha a mais consentânea com o uso comum e o bom senso;
- A vantagem dos termos padronizados e das convenções está em poupar o tempo do redator e também o dos cidadãos, das autoridades administrativas e dos tribunais. A falta de uniformidade custa caro ao governo e ao público.
- O arquiteto da lei deve participar da análise dos objetivos (descobrir qual a intenção da pessoa para que trabalhamos), esboçar um arcabouço estrutural, preencher os vazios, aprimorar as minudências e ajuntar os primores estéticos;
- O importante na redação da lei é dizer o que se quer com precisão, coesão, clareza e concisão. A forma é importante para o conteúdo porque a ambiguidade e a expressão confusa comprometem a legislação.
- Clareza e simplicidade começam com o pensamento certo e terminam com a expressão certa;
- É um erro dizer que a boa linguagem é importante para o bom pensamento. É a sua essência que o torna bom.
- Qualquer teoria de redação que separe drasticamente a forma do conteúdo, tenderá a obscurecer o fato de que a clareza tem raízes no conteúdo e não na forma. A clareza está na combinação certa de justos conceitos;
- O dispositivo da lei não deve ser mais simples e mais claro do que permitem as complexidades inerentes das ideias que as exprimem;
Até que ponto uma lei deve descer aos pormenores?
Essa decisão é do cliente e não do redator, porém é deixada uma margem que deverá ser tratada com cuidado para não conter excesso de generalidade (trazendo indeterminação e incerteza) ou excesso de particularidades (trazendo complicações ao texto, entravando o administrador). Não existe uma regra que sirva para todos os casos. A análise é particular. A elaboração das leis exige tato e diplomacia, o redator deverá tornar sua mensagem bem clara. Os problemas do governo já são complexos para que a má redação complique ainda mais.
O redator deve acompanhar o trabalho político, desde o início, sem influencia-lo de qualquer modo.
Se a lei fosse um bolo, o redator não seria um simples decorador do bolo elaborado pelo legislador, ele não seria, também, o autor da receita.